quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O mundo de Maria

O mundo de Maria

Maria tinha sete anos e muitos sonhos na cabeça. Um dia, estava deitada em sua cama de madeira pensando em todos os lugares que desejava conhecer. Ela não sabia muito sobre os lugares, mas sabia que existiam muitos locais desconhecidos e prontos para serem visitados. A sonhadora Maria olhou então em volta, reparou em cada detalhe de seu quarto. Era pequeno, mas bonito. Tinha alguns brinquedos de madeira, construídos por seu pai e algumas bonecas de pano, costuradas e pintadas cuidadosamente por sua mãe. As bonecas repousavam sentadinhas em prateleiras, enquanto os outros brinquedos encontravam-se espalhados pelo chão. Depois de reparar na beleza de seu canto, Maria passou a imaginar quantos outros lugares bonitos a aguardavam no mundo. Resolveu então, naquele momento, viajar. Levantou em um pulo, arrumou a cama, pegou sua mochila azul com bolinhas brancas e enfiou dentro dela um lençol, sua boneca preferida, uma bússola de brinquedo e um bombom, para o caso de sentir fome. Lembrou de que precisava levar seu relógio digital, foi então até o criado mudo e o pegou. Olhos as horas, eram seis da tarde. Colocou o relógio dentro da mochila e foi até o banheiro.
  Lá, penteou os cabelos, colocou um short jeans, uma camiseta e um pouco de perfume. Calçou seus chinelos e procurou uma folha de papel e uma caneta para escrever um bilhete para seus pais. No bilhete ela escreveu as seguintes frases:
“Queridos papai e mamãe, fui ver o mundo.
Eu amo vocês.  Maria.”
Pegou o papel, dobrou-o e o colocou em cima da cama. Depois colocou a mochila nas costas e desceu as escadas. No meio da escada ouviu os passos de sua mãe e sua voz lá embaixo, vindo para perto da escada. Subiu correndo. Parou um pouco ofegante e pensou: “Ela não pode me ver saindo.” Escondeu-se embaixo da cama e ficou lá durante alguns minutos. Pegou o relógio digital e olhou a hora. Eram seis e vinte. Resolveu aguardar até seis e meia.
Enquanto aguardava, ficou imaginando os lugares que ia conhecer e as aventuras que ia viver quando saísse de casa. Imaginou conhecer castelos e florestas, sítios e montanhas com cavernas onde ela acenderia uma fogueira e se abrigaria. Por um momento pensou em levar fósforos consigo, mas não conseguiria pegá-los na prateleira alta da cozinha. Imaginou animais ferozes e desconhecidos, que conseguiria enfrentar com os acessórios que levava na mochila.
Olhou novamente para o relógio e viu que já eram seis e meia. Saiu de debaixo da cama e foi até o topo da escada. Olhou de lá e não viu ninguém. Ficou observando mais um pouco.
Enquanto isso a mãe de Maria, Dona Josefa, que já estava lá em cima, foi pegar a roupa suja no quarto da menina e deparou-se com o bilhete escrito por Maria. Leu e olhou em volta. Por um momento preocupou-se. Foi andando em direção à escada já aflita e lá estava a pequena Maria, de mochila nas costas e com os cabelos penteados, pronta para conhecer o mundo. Dona Josefa então deu um sorriso e a esperou descer a escada, se sentindo orgulhosa por Maria ter escrito o bilhete tão corretamente e por ser tão destemida. Achava a filha muito esperta para uma menina de sete anos.
Enquanto sua mãe a olhava orgulhosa às suas costas, Maria desceu as escadas correndo, abriu a porta com dificuldade e parou no quintal com as mãos nos joelhos e o coração acelerado. Olhou para trás e viu que a porta estava aberta, voltou correndo para fechá-la e o fez lentamente para não fazer barulho. Quando finalmente conseguiu fecha-lá, voltou a olhar para o quintal, o portão para a rua estava longe. O céu estava ficando escuro, Maria imaginou que daqui a pouco os ratos começariam a aparecer no quintal.
Assim que saiu de casa, a pequena aventureira sentiu um arrepio frio nos bracinhos desnudos e lamentou-se por não ter pegado um casaco. Já era tarde demais para voltar. Nesse momento, ouviu um barulho e viu uma luz forte vinda da rua. Era o carro de seu pai. Maria apavorou-se e correu para se esconder atrás de uma árvore do quintal. Enquanto isso, Dona Josefa foi para a cozinha e continuou a preparar o jantar.
O pai de Maria, um homem alto e muito parecido com ela, estacionou o carro e saiu de dentro dele carregando pesadas ferramentas de carpintaria. Foi andando vagarosamente até a porta, o que deixou a pequena aventureira irritada, já que atrasaria sua fuga.
Assim que o marido entrou em casa, Dona Josefa adiantou-se a contar sobre o bilhete deixado pela filha. “Carlos, olhe só o que essa menina inventou agora...”
Depois de ouvir a história, Seu Carlos riu e resolveu apostar quanto tempo Maria levaria para voltar para dentro de casa.
Enquanto apostavam lá dentro, Maria finalmente saiu de trás da árvore e começou a bolar seu plano para chegar até portão. Olhou para seu relógio e já eram seis e quarenta, o quintal já estava escuro, pois era horário de verão. Maria ouviu um barulho e imaginou ser um rato enorme vindo atrás dela. Entrou em pânico. Começou a correr e acabou voltando para perto da porta. Então parou e pensou: “não posso desistir agora.” Olhou para todos os lados e nem sinal do bicho gigante. O quintal de sua casa era enorme e cheio de vasos de plantas, tinha algumas madeiras e ferros-velhos jogados em um canto escuro, perto do portão da rua. Maria tinha muito medo daquele canto. Sua mãe dizia que havia muitos ratos ali. Como ela chegaria até o portão sem ser atacada pelos ratos? A pequenina foi então até o canto onde estavam os pedaços de madeira e tentou pegar o menor deles, porém não aguentou seu peso e desistiu. Seria sua arma caso aparecesse um rato. Teria que pensar em outra coisa agora. Lembrou do lençol que estava dentro da sua mochilinha e pensou em se cobrir com ele, assim os ratos pensariam que ela era um fantasma e ficariam com medo dela. Tirou o lençol da mochila e se cobriu. Andou um pouco e tropeçou. Ouviu outra vez aquele barulho sinistro e percebeu que vinha do canto escuro. Tentou sair do lençol para se defender do possível rato que viria atacá-la, mas não conseguiu, o lençol era muito cumprido e ela acabou se enrolando nele. Desistiu de levantar e colocou a mão nos ouvidos, se preparando para o pior, sem gritar. Esperou alguns segundos e nada aconteceu. Agora com mais calma, conseguiu se levantar e seguiu tropeçando até o portão. O lençol embaçava sua visão e ela acabou batendo de cara no muro da lateral do quintal e caindo. Mas nada a faria desistir, tornou a se levantar e deu uma pequena erguida no lençol para ir na direção certa dessa vez. Continuou andando e tropeçando, e nada do portão chegar.
De repente, Maria ouviu o barulho novamente, seguido de um vulto passando em sua frente. Apertou as mãos contra os ouvidos e fechou bem os olhos para não sentir vontade de gritar. Levantou o lençol e viu. Lá estava ele, o tão temido rato do qual sua mãe falava. Maria se desvencilhou rapidamente do lençol e correu o mais rápido que pode em direção à porta. Subiu em um vaso de plantas e lá ficou esperando o rato ir embora. Tomando o cuidado de não fazer barulho.
Depois que o rato se foi, Maria abriu sua mochila novamente e tirou de lá seu bombom. Desembrulhou-o e jogou no canto escuro, para que o rato se distraísse enquanto conseguia alcançar o portão. Depois de jogar o doce, Maria correu como nunca em direção ao portão e quando estava à alguns centímetros da fechadura viu que o bombom havia sumido. “O rato já havia pegado? Será que agora ele estava ali perto? Que esperto e rápido ele era!” pensou ela, correu novamente para a porta de casa.
 Já estava quase desistindo quando lembrou que seu relógio digital também servia de lanterna. Agora sim ela conseguiria. Pegou o relógio e ativou a função lanterna. Imediatamente saiu de seu visor uma luzinha rosa e fraca, mas que já adiantaria para assustar o rato gigante.     Foi andando e apontando o relógio para todos os lados. Quando chegou perto do canto escuro apontou a luz para lá e, olhando para o portão, finalmente alcançou a fechadura.
Pronto, agora sim começaria a aventura de sua vida. Ela conheceria castelos, florestas, montanhas. Lutaria contra animais selvagens, se abrigaria em cavernas e escreveria postais para seus pais todos os dias.
Estava mergulhada nesses pensamentos quando percebeu que o portão não se abria. Estava trancado. Maria abaixou a cabeça, pegou o lençol agora sujo de terra e seguiu para dentro de casa arrastando-o. Abriu a porta, andou até as escadas com um olhar tristonho e chegou até seu quarto. Lá, olhou-se no espelho e quando se viu suada, descabelada e meio suja, sorriu para si mesma e correu até o armário. Pegou um pequeno diário que havia ganhado assim que aprendeu a escrever, e começou a relatar sobre o seu dia:
“Querido diário, hoje viajei até uma floresta muito perigosa e escura, onde viviam monstruosos ratos gigantes, mas eu não fiquei com medo nem nada porque levei as minhas armas mais modernas pra enfrentar eles...”
E após o relato de sua viagem, Maria dormiu de cansaço. Seus pais, quando foram chamá-la para o jantar, a viram dormindo com o diário entre os braços, e por um momento se pegaram um tanto curiosos para descobrir quantas cansativas aventuras a mais a pequena aventureira havia vivido naquele dia.

- Ana Silva.

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